Por | Waldo Luís Viana (*)
“Nada estabelece limites tão rígidos à liberdade de uma pessoa do que a falta de dinheiro.”
John Kenneth Galbraith
“A corrupção está no DNA do brasileiro. Quanto mais ladrão mais querido.”
Deputada Cidinha Campos
Sou escritor brasileiro e me
considero um legítimo idiota. Afinal, vivo num país que ignora os seus
escritores e adora os bandoleiros. Nossos patrícios não leem; preferem
pizzas e ladrões. Aliás, reclamam de nossa representação política mas
ela é um verdadeiro milagre: nossos políticos chegam a ser melhores do
que o povinho que os elege. E nem adianta reclamar, “é isso aê...”
Brasileiro, inclusive, era
etimologicamente a alcunha pejorativa que os portugueses punham nos
compatriotas que extorquiam a colônia e voltavam ricos para Portugal.
Aqui, em se plantando tudo dá, inclusive os ladrões que vieram para cá e
aqui frutificaram. A corrupção aqui Caminha desde Pero Vaz – diríamos
nós, em inarredável licença metafórica...
Deveríamos nos chamar “brasilianos”
para nos livrar da pecha que corre mundo e nos acusa de ser um povo que
mentaliza uma fraude a cada três minutos. E temos uma Justiça (Justiça?)
muito desigual: rapidíssima com pobres, pretos e prostitutas e
lentíssima para com os ricos, que podem protelar sentenças por dez ou
vinte anos, graças a advogados caríssimos, cujos honorários são
verdadeira “caixa-preta” para toda a sociedade. Diga-se de passagem que
tais emolumentos são a única distribuição de renda que nossas elites se
permitem conceder para se livrarem indefinidamente da cadeia. E as
brechas nas leis são produzidas por seus ventríloquos no Congresso...
Vá um pobre furtar um pedaço de
goiabada num supermercado para ver se não acaba numa penitenciária? Não é
vero? Assim, o “brasileiro” tem a corrupção no edifício genético e
amor entranhado por gatunos e escroques , uma fascinação inconsciente,
reprimida em sua economia interior e que só Freud explicaria. “Ah, se eu
pudesse ser um deles! Ah, negociata é um negócio em que eu não
entrei...” –lamentaria, fazendo beicinho de abandonado...
Por isso, sinto-me um perfeito
idiota-escritor! Cheguei aos 58 anos e ainda não roubei nada! Meu Deus,
que vergonha! Não irão dizer que preciso de maior malícia, porque só
tenho necessidades e algumas dívidas, como qualquer pessoa normal? Como
todo idiota, acredito em Deus e acho que Ele me protege de vários
perigos e que não me é dado realizar coisas obscenas, comuns para quem
não crê realmente Nele.
Não participo de nenhuma quadrilha! –
oh que vergonha! Gosto de molhar o papel com tinta – coisa que Nelson
Rodrigues dizia que se fosse impedido de fazer morreria de fome. Eu sou
um idiota que se não pudesse escrever também morreria de fome e sempre
procurei usar minha pena para mover e comover!
Como todo bom idiota, resolvi também
ser poeta. E já fui premiado até – vejam só. No entanto, quando falo em
qualquer roda sobre o que faço, que sou escritor e poeta, aí me
perguntam: “mas você trabalha em quê?”
O brasileiro não pode conceber que
alguém possa ser escritor além de Machado de Assis, Jorge Amado e Paulo
Coelho. É uma pena que essa seja uma terra em que se mata um leão por
dia para sobreviver e só se valorize artista de TV, jogador de futebol,
cantor de rap e agora participante do BBB. Teremos também uma Copa do
Mundo, uma Olimpíada, sem educação, saúde, estradas, ferrovias,
hospitais e com a farsa do pré-sal. Tudo embrulhadinho pela propaganda
oficial para o brasileiro – que adora pão e circo – engolir.
E no bojo de toda essa folia
carnavalesca, com pano de fundo de axé baiano, vemos o condenado Genoíno
fazer “vaquinha” na Internet para pagar as multas estabelecidas pela
Justiça como parte da punição por suas traquinagens mensaleiras.
Coitado, um ex-terrorista cardíaco, foi apanhado com a boca na botija e
enquadrado num processo bíblico no Supremo Tribunal Federal. Em sete
anos, o ministro Barbosa, relator do processo, botou na cadeia um grupo
que se considerava invulnerável e Genoíno, no meio deles, punho fechado,
pediu ajuda digital a toda sociedade para pagar as suas multas.
E não é que conseguiu? Mesmo
condenado – coitadinho! –recebeu dos companheiros o numerário aprazado.
Alcançou o montante que os ministros arbitraram para a sua reprimenda,
como se dissesse a todos: “viram! A sociedade compadecida está me
absolvendo!” – refletiu nas entrelinhas na prisão domiciliar em mansão
alugada em Brasília.
E esse processo psíquico que se nos
apresenta (e me faz mais idiota, ainda) demonstra que o brasileiro não
gosta de ver ninguém preso porque nossas masmorras são medievais, aqui,
ali e no Maranhão. E esses mensaleiros condenados só cometeram o pecado
de comprar quem já era corrupto, só isso, não é? Numa sociedade em que
todos são corruptos por princípio, como estabelecer alguma distinção?
Como condenar, sem uma pontinha de culpa ou arrependimento?
Pois esse escritor idiota, ghost
writer há vinte anos de tanta gente importante, sente uma vontade louca
de fazer o mesmo. Não tenho nada. Não tenho bens. Vivo de favor numa
casa velha, bem de família, escrevendo meus livros, meus poemas e as
encomendas de outros, porque senão nem como. Às vezes, a situação
torna-se tão ruim que raciono a comida e as idas ao supermercado.
Na verdade, parece que quem está
preso sou eu e não o Genoíno. É ele que tem bons e fiéis companheiros.
Eu não. Sou um pobre e idiota escritor brasileiro, completamente
surpreso como existem pessoas tão boas, capazes de abluir as faltas de
um condenado, contribuindo com dinheiro vivo para a sua ressurreição.
Nesse grande país, quem vale é o
Genoíno; eu, não! Não valeu a pena ser tão ingênuo. Coloquei 120 poemas,
a cada dia, no facebook, fazendo uma espécie de teste de conteúdo e
interesse. Ao final, apenas uma amiga de Alegrete, no Rio Grande do Sul,
interessou-se por comprar minha antologia poética. E olha que o livro é
baratinho. Mas o brasileiro não gosta de ler: gosta de pizza e de
ladrões.
Como sou escritor, poeta e idiota,
pedindo desculpas por ter desabafado tudo isso aqui, e em homenagem ao
Genoíno e aos tampos que correm, estendo a mão a você, amigo leitor,
pedindo-lhe também ajuda, já que tenho dívidas a pagar e gostaria de
deixar de ser um cidadão comum inadimplente. Conto com a sua ajuda, sem
pejo ou vergonha, apesar de jamais ter sido preso.
Afinal, nasci, cresci e fui educado
por meus pais para ter vergonha na cara, mas depois do Genoíno e
parafraseando Dostoievsky, tudo é permitido. Deixo meus dados bancários
para a sua bondade. Lembre-se de que o que a destra fizer, a sinistra
não precisa saber. E quem sabe, tal como o Genoíno, esse idiota escritor
possa se libertar dos grilhões que a vida nessa linda Pátria nos traz. E
que Deus ilumine o seu caminho, dando-lhe créditos e profunda
felicidade.
Enfim, descobri que quem está solto é o Genoíno; quem está preso sou eu...
Autor
Waldo Luís Viana é escritor, economista e poeta.