Análise de material coletado na Baixada Santista, em Ubatuba e em São Sebastião indica que comunidades bacterianas são prejudicadas pela contaminação das águas
Noêmia Lopes, da FAPESP
Noêmia Lopes, da FAPESP
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São Paulo – Quanto menos poluída a água do mar no litoral de São Paulo,
maior é a diversidade de bactérias marinhas. Essa foi uma das
constatações de um grupo de pesquisadores do Instituto de Ciências
Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB/USP), após a coleta de amostras de água do mar e de plâncton na Baixada Santista, em Ubatuba e em São Sebastião.
Eles participaram de uma pesquisa, realizada entre 2010 e 2012 com
apoio da FAPESP, cujo objetivo geral era caracterizar comunidades
bacterianas do litoral paulista por meio de análises moleculares e
genéticas.
O foco estava nos exemplares quitinolíticos – ou seja, nas bactérias
que metabolizam a quitina (polissacarídeo presente no exoesqueleto de
muitos organismos marinhos) e liberam carbono e nitrogênio (utilizados
em processos biológicos, fisiológicos e bioquímicos ao longo de toda a
cadeia alimentar).
Após as fases de coleta e análise, foram encontrados 13 gêneros de
bactérias quitinolíticas na Baixada Santista, 19 em Ubatuba e 28 em São
Sebastião, somando as amostras de água do mar e de plâncton (alguns
gêneros foram encontrados tanto em água do mar quanto em plâncton).
Por meio de estudos anteriores realizados pelo próprio ICB/USP, os
pesquisadores conheciam os níveis de poluição antrópica (pelo homem) nos
três locais: alto na Baixada Santista, médio em São Sebastião e baixo
em Ubatuba.
Cruzando os resultados, concluiu-se que a maior diversidade é
encontrada onde há poluição baixa ou mediana. “Os microrganismos nativos
de um sistema competem com outros que chegam até ele, por meio de
esgotos não tratados, por exemplo. E sobrevivem os mais fortes – no
caso, aqueles associados aos poluentes”, disse Irma Nelly Gutierrez
Rivera, professora e pesquisadora do ICB/USP.
De acordo com Rivera, tal redução na diversidade de bactérias
quitinolíticas gera preocupações em ao menos três esferas. A primeira
remete aos prejuízos diretos para a cadeia alimentar marinha, que
necessita do carbono e do nitrogênio liberados pela metabolização da
quitina. A segunda diz respeito a perdas para uma série de processos
biotecnológicos nos quais essas bactérias são aplicáveis, como controle
de insetos e fungos.
Já a terceira implica em riscos relacionados à perda de biodiversidade
nos ecossistemas costeiros do país. “Há espécies desaparecendo antes
mesmo de serem catalogadas. Isso é ruim porque devemos saber o que é
nosso e o que não é – caso, por exemplo, dos microrganismos que chegam
com a água de lastro dos navios e cuja interação com as espécies locais
pode dar origem a espécies patogênicas que, por sua vez, podem causar
doenças para o homem, para os animais marinhos e para o próprio
ecossistema”, disse Rivera.
Metodologias e desenvolvimento
Entre 2007 e 2010, Rivera coordenou uma pesquisa com Auxílio Regular da
FAPESP sobre a diversidade de microrganismos marinhos na Baixada
Santista, em Ubatuba e em São Sebastião.
Para tanto, o primeiro passo foram as coletas de amostras de água e
plâncton, que duraram 20 meses em São Sebastião e dois verões em Ubatuba
e na Baixada Santista. As amostras de água eram coletadas em volumes de
cinco litros, dez centímetros abaixo da superfície, em frascos
previamente esterilizados. As amostras de plâncton foram coletadas com
rede de malha, por arraste, durante cinco minutos, nos mesmos pontos de
coleta das amostras de água.
A partir de então, o estudo das bactérias quitinolíticas viáveis (que
podem ser cultivadas) foi realizado em meio de cultura que continha
apenas quitina como fonte de carbono e alguns sais, de modo que o meio
tivesse uma composição próxima à da água do mar. As bactérias
quitinolíticas foram identificadas, em nível de gênero, com o método de
sequenciamento do gene 16S rRNA.
Além dessa metodologia – chamada dependente de cultivo por exigir um
meio em que as bactérias possam crescer – os pesquisadores usaram
recursos moleculares e fizeram a construção de bibliotecas genômicas que
viabilizam o trabalho a partir dos genes (ao invés do crescimento
bacteriano), conhecidos como independentes de cultivo. Para tanto,
amostras de água foram filtradas e concentradas, com posterior extração
do DNA total.
A construção de bibliotecas genômicas foi realizada com o uso do gene
chiA, que codifica as enzimas quitinases que degradam a quitina, e da
técnica de clonagem – cada sequência foi analisada por meio de
pareamento com sequências disponíveis em banco de dados (GenBank).
De acordo com a pesquisadora, caracterizar comunidades bacterianas com
base em análises moleculares e genéticas é importante porque permite
ampliar o leque de exemplares descritos, já que nem todos são capazes de
crescer nos meio de cultivo dos quais os cientistas dispõem.
No caso do estudo do ICB/USP, as duas metodologias, dependente e
independente de cultivo, confirmaram que a maior diversidade de
bactérias ocorre em ambientes com nível de poluição baixo ou médio.
Nos três locais estudados, o filo Proteobacteria foi o mais recorrente.
Em relação aos gêneros, em amostras de água, Micromonospora predominou
em Ubatuba e São Sebastião, enquanto Aeromonas prevaleceu na Baixada
Santista. Em amostras de plâncton, Ubatuba teve outros gêneros de
bactérias, como Streptomyces e Luteimonas, enquanto as Aeromonas foram
as mais encontradas em São Sebastião e na Baixada Santista.
“Para chegar ao nível das espécies, é preciso lançar mão de
metodologias mais complexas”, afirmou Rivera. “Até hoje, conhecemos
pouquíssimas espécies. Estudos apontam que os oceanos são os ambientes
mais ricos em diversidade procariótica, com aproximadamente 3,5 x1030
espécies de bactérias. Por enquanto, apenas cerca de 6 mil delas estão
descritas.”
Os pesquisadores do ICB/USP farão o sequenciamento completo do genoma
de ao menos uma das bactérias quitinolíticas coletadas, a fim de
identificar a que espécie ela pertence. Outro desdobramento serão
estudos sobre as enzimas produzidas por bactérias de ecossistemas
marinhos e suas possíveis aplicações biotecnológicas.
“Estamos na etapa final das análises estatísticas e já submetemos um
artigo que aguarda publicação – Impact of Anthropogenic Activity on
Chitinolytic Bacteria Diversity in the Marine Environment”, disse
Rivera. Além dela, duas alunas de pós-doutorado participaram dos
estudos: Claudiana Paula de Souza, com bolsa da FAPESP, e Bianca Caetano
de Almeida.
UBATUMIRIM ESTÁ UMA FEDENTINA SÓ
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