Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
Oito anos depois da denúncia, o processo do mensalão começa a ter seu
desfecho com as condenações e primeiras prisões dos envolvidos no
esquema. Antes disso, poucos imaginavam que o processo, um dos mais
emblemáticos da luta contra a corrupção no Brasil, pudesse terminar com
políticos do alto escalão condenados e presos.
Para especialistas ouvidos pela DW Brasil, a decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF) é também simbólica e, ao mesmo tempo, um marco na
história do Judiciário. Ela abre precedentes num país onde a tradição
era não prender políticos, principalmente do alto escalão, envolvidos em
casos de corrupção.
"As condenações do mensalão vão gerar uma mudança cultural muito grande
no país. Pela primeira vez na história o STF condena políticos de alto
escalão e os manda para a prisão", diz Josmar Verillo, vice-presidente
da Amarribo, braço brasileiro da ONG Transparência Internacional. "Essa
decisão tem um efeito educativo muito grande, também de inibir a
corrupção, e vai abrir um precedente muito grande."
O professor de comunicação política Roberto Gondo, da Universidade
Mackenzie, diz que, com a condenação dos acusados, criou-se um novo
momento paradigmático, que explicita que a prática ilícita de desvio de
verbas e a má utilização de recursos públicos, bem como o tráfico de
influência, são passíveis de punição, mesmo quando os acusados pertencem
aos altos escalões da República.
"Dessa forma, é possível afirmar que o processo de julgamento do
mensalão contribuiu positivamente para elevar a preocupação dos demais
atores políticos com relação à sua atuação no poder público", afirma
Gondo.
Ele diz, ainda, que a imagem do Poder Judiciário como instância
legítima e idônea tende a aumentar depois das condenações. Mas o
julgamento do mensalão ainda não é suficiente para fomentar por completo
um sentimento de rigor no combate da corrupção no país, opina.
"É um processo lento e cultural, que deverá ser absorvido pela
população, no sentido de acompanhar de modo mais rigoroso seus
representantes e pressionar por intermédio dos meios disponíveis a
apuração dos fatos e possíveis condenações", diz Gondo.
Prisão domiciliar seria vista como "pizza"
Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas
Abertas, diz que apenas 1.479 pessoas estão presas por crimes contra a
administração pública – como, por exemplo, peculato, concussão e
corrupção passiva. O número representa apenas 0,3% do total de presos no
Brasil e mostra a dificuldade e a lentidão da Justiça.
"Não há, no Brasil, uma cultura histórica de se punir crimes de
corrupção. É muito mais usual punir um ladrão que roubou a uma pessoa do
que o roubo ao Estado", afirma Castello Branco. "Mas quem rouba ao
Estado rouba a todos nós. Por isso esses crimes deveriam ter prioridade
de julgamento, já que eles são muito mais graves do que o crime contra
somente uma pessoa."
O especialista diz que, além de servir de alerta para os políticos, a
prisão de alguns "mensaleiros" deve mudar o estigma de que a Justiça
brasileira condena somente negros e pobres. Ele espera que as
condenações da alta cúpula política não sejam todas revertidas em prisão
domiciliar. "Se acontecer, isso será visto como 'pizza' pela sociedade
brasileira."
Mensalão em Minas Gerais deve ser julgado em 2014
A expectativa dos brasileiros é que o julgamento do mensalão não seja
um caso isolado. Há vários outros casos de corrupção ainda parados na
Justiça, principalmente envolvendo políticos.
Um deles é o chamado "mensalão tucano", que deverá ser julgado ainda em
2014 pelo STF. Segundo o Ministério Público, trata-se de um esquema de
desvio de dinheiro envolvendo empresas públicas de Minas Gerais para o
financiamento da reeleição do ex-governador Eduardo Azeredo (PSDB), em
1998.
"Esse e outros casos também precisam ser julgados, tais como os
processos de centenas de políticos que respondem a diversos crimes no
STF", defende Castello Branco. "Há uma expectativa da sociedade de que
esses fatos sejam um marco e sirvam de advertência para políticos que
achavam que tudo era possível em nome da política, até mesmo a
constituição de um caixa dois."
Para o especialista, a prisão dos políticos do mensalão mostra a
solidificação da democracia brasileira, já que instituições dos três
poderes funcionaram de forma exemplar. Ele cita a atuação do STF de
forma transparente, com sessões televisionadas; e as prisões efetuadas
pela Polícia Federal, que é um órgão do Poder Executivo, com implicações
no Poder Legislativo.
"Todos os poderes da República se viram envolvidos nesta decisão e
funcionaram, mesmo que alguns possam criticar um rigor maior ou menor.
Mas o fato é que os poderes atuaram e chegaram a essa decisão, que tem
um cunho democrático. Isso mostra como a democracia brasileira está
amadurecida, apesar de ser ser recente”, conclui Castello Branco.
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