Quem é condenado criminalmente de forma definitiva tem seus direitos políticos suspensos, em razão do disposto no art. 15, III, da CP
Por | Luiz Flávio Gomes
No plano do direito interno a polêmica sobre se os deputados poderão ser presos antes de perder o mandato é, em grande parte, falsa. Penso que não haver dúvida que os condenados perderão seus mandatos e poderão ir para a cadeia. O problema reside no direito internacional e esse é o aspecto que está sendo esquecido (até aqui) pela mídia e operadores jurídicos brasileiros. Vamos às explicações.
Quem é condenado criminalmente de forma definitiva tem seus direitos políticos suspensos, em razão do disposto no art. 15, III, da CP. Parlamentar que tem seus direitos políticos suspensos perde o mandato, por força do art. 55, IV, da CF. E nesse caso a perda será (apenas) declarada pela Mesa da Casa respectiva. A Casa aqui não tem que decidir nada, só declarar.
Notem: a perda do mandato em razão da suspensão dos direitos políticos (art. 55, inciso IV) é diferente da perda do mandato em virtude de condenação criminal (art. 55, inciso VI). A confusão está aqui. Estão olhando este último dispositivo (inc. VI) e não estão prestando atenção no anterior (inc. IV). No caso do inciso VI a CF (art. 55, § 2º) exige decisão da Câmara dos Deputados ou do Senado (para a perda do mandato). Na situação anterior (suspensão de direitos políticos) a Mesa da Casa apenas declara a perda (não tem que decidir nada, é só declarar). Não podem ser confundidas as duas situações. Os operadores jurídicos (data vênia) estão se esquecendo da primeira hipótese (perda do mandato em razão da suspensão dos direitos políticos).
A mera declaração da perda do mandato eletivo, em razão da suspensão dos direitos políticos, tem sintonia com a norma do art. 92 do Código Penal, que determina que quem é condenado a mais de 4 anos perde o cargo ou o mandato eletivo. Portanto, não pode haver nenhuma dúvida: parlamentar condenado definitivamente, com muito mais razão quando a pena passa de 4 anos, perde seu mandato, competindo à Casa respectiva apenas a declaração dessa perda. E claro que concomitantemente terá que cumprir a prisão determinada, que se ultrapassar a oito anos significa regime fechado.
De outro lado, o § 3º do art. 53 não tem nada a ver com a condenação final. Diz esse dispositivo que desde a expedição do diploma os parlamentares não podem ser presos, salvo em caso de flagrante de crime inafiançável. Não há nenhuma dúvida que essa imunidade prisional somente diz respeito à prisão cautelar (antes do trânsito em julgado final). Tanto isso é verdade que a parte final do mesmo parágrafo possibilita que a Cada legislativa resolva sobre a prisão. Claro que a Casa somente pode decidir sobre a prisão cautelar (nunca a definitiva). Pensar o contrário seria criar desarmonia entre os poderes (e desrespeitar e desacreditar o Judiciário).
No plano internacional a situação é bem mais complexa porque a decisão do STF está eivada de dois vícios procedimentais seríssimos que podem fulminantemente invalidar o julgamento, que destoa completamente de duas decisões importantíssimas da Corte Interamericana de Direitos Humanos: caso Las Palmeras contra a Colômbia e caso Barreto Leiva contra a Venezuela.
O primeiro invalidou um julgamento em que o mesmo juiz ocupou duas posições: de investigador e de juiz. Joaquim Barbosa presidiu a fase investigativa e, agora, por força do retrógado e autoritário art. 230 do Regimento Interno do STF, está também participando do julgamento do processo. Isso viola a garantia da imparcialidade do juiz e pode gerar a anulação da condenação do STF no caso mensalão.
No segundo caso (Barreto Leiva) a Corte Interamericana mandou a Venezuela julgar novamente o réu em razão do seu direito ao duplo grau de jurisdição, cabendo fazer os devidos ajustes no direito interno para que esse direito seja assegurado para todos os réus, inclusive para os que gozam de foro especial por prerrogativa de função.
Por vícios procedimentais decorrentes da claríssima violação da jurisprudência internacional, a mais histórica de todas as decisões criminais do STF pode ter seu brilho ético, moral, político e cultural nebulosamente ofuscado.
Autor:
Luiz Flávio Gomes é Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
Se
condenados definitivamente pelo STF, podem os parlamentares (João Paulo
Cunha, Pedro Henry e Valdemar Costa Neto) ir para a cadeia antes do fim
de seus mandatos? Essa é uma das grandes polêmicas geradas pelo
mensalão (cf. matéria de Chico Otavio no jornal O Globo, de 25.09.12, p.
6). A resposta é sim, no plano do direito interno, e, não, na esfera do
direito internacional. Acompanhem nosso raciocínio.
No plano do direito interno a polêmica sobre se os deputados poderão ser presos antes de perder o mandato é, em grande parte, falsa. Penso que não haver dúvida que os condenados perderão seus mandatos e poderão ir para a cadeia. O problema reside no direito internacional e esse é o aspecto que está sendo esquecido (até aqui) pela mídia e operadores jurídicos brasileiros. Vamos às explicações.
Quem é condenado criminalmente de forma definitiva tem seus direitos políticos suspensos, em razão do disposto no art. 15, III, da CP. Parlamentar que tem seus direitos políticos suspensos perde o mandato, por força do art. 55, IV, da CF. E nesse caso a perda será (apenas) declarada pela Mesa da Casa respectiva. A Casa aqui não tem que decidir nada, só declarar.
Notem: a perda do mandato em razão da suspensão dos direitos políticos (art. 55, inciso IV) é diferente da perda do mandato em virtude de condenação criminal (art. 55, inciso VI). A confusão está aqui. Estão olhando este último dispositivo (inc. VI) e não estão prestando atenção no anterior (inc. IV). No caso do inciso VI a CF (art. 55, § 2º) exige decisão da Câmara dos Deputados ou do Senado (para a perda do mandato). Na situação anterior (suspensão de direitos políticos) a Mesa da Casa apenas declara a perda (não tem que decidir nada, é só declarar). Não podem ser confundidas as duas situações. Os operadores jurídicos (data vênia) estão se esquecendo da primeira hipótese (perda do mandato em razão da suspensão dos direitos políticos).
A mera declaração da perda do mandato eletivo, em razão da suspensão dos direitos políticos, tem sintonia com a norma do art. 92 do Código Penal, que determina que quem é condenado a mais de 4 anos perde o cargo ou o mandato eletivo. Portanto, não pode haver nenhuma dúvida: parlamentar condenado definitivamente, com muito mais razão quando a pena passa de 4 anos, perde seu mandato, competindo à Casa respectiva apenas a declaração dessa perda. E claro que concomitantemente terá que cumprir a prisão determinada, que se ultrapassar a oito anos significa regime fechado.
De outro lado, o § 3º do art. 53 não tem nada a ver com a condenação final. Diz esse dispositivo que desde a expedição do diploma os parlamentares não podem ser presos, salvo em caso de flagrante de crime inafiançável. Não há nenhuma dúvida que essa imunidade prisional somente diz respeito à prisão cautelar (antes do trânsito em julgado final). Tanto isso é verdade que a parte final do mesmo parágrafo possibilita que a Cada legislativa resolva sobre a prisão. Claro que a Casa somente pode decidir sobre a prisão cautelar (nunca a definitiva). Pensar o contrário seria criar desarmonia entre os poderes (e desrespeitar e desacreditar o Judiciário).
No plano internacional a situação é bem mais complexa porque a decisão do STF está eivada de dois vícios procedimentais seríssimos que podem fulminantemente invalidar o julgamento, que destoa completamente de duas decisões importantíssimas da Corte Interamericana de Direitos Humanos: caso Las Palmeras contra a Colômbia e caso Barreto Leiva contra a Venezuela.
O primeiro invalidou um julgamento em que o mesmo juiz ocupou duas posições: de investigador e de juiz. Joaquim Barbosa presidiu a fase investigativa e, agora, por força do retrógado e autoritário art. 230 do Regimento Interno do STF, está também participando do julgamento do processo. Isso viola a garantia da imparcialidade do juiz e pode gerar a anulação da condenação do STF no caso mensalão.
No segundo caso (Barreto Leiva) a Corte Interamericana mandou a Venezuela julgar novamente o réu em razão do seu direito ao duplo grau de jurisdição, cabendo fazer os devidos ajustes no direito interno para que esse direito seja assegurado para todos os réus, inclusive para os que gozam de foro especial por prerrogativa de função.
Por vícios procedimentais decorrentes da claríssima violação da jurisprudência internacional, a mais histórica de todas as decisões criminais do STF pode ter seu brilho ético, moral, político e cultural nebulosamente ofuscado.
Autor:
Luiz Flávio Gomes é Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
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