Fonte: ABONG - Associação Brasileira de Organizações não Governamentais.
Terminado o processo eleitoral, temos muito o que pensar. Qual a democracia que nós temos? É esta a democracia que queremos?
As eleições permitiram a manifestação da vontade do/a eleitor/a e
produziram um resultado, no conjunto do país, bastante diversificado.
Novas lideranças surgiram, outras foram confirmadas, partidos que já
tiveram peso começam a definhar: os vários balanços das eleições já
publicados apontam o avanço ou recuo de cada partido, cada liderança.
Nossa preocupação aqui é outra. Que conclusões podemos tirar sobre a
democracia que temos?
Cada vez mais o resultado eleitoral é marcado pelo poder econômico e
pela capacidade do “marketing” de convencer o eleitorado. Enquanto for
permitido o financiamento privado de campanhas eleitorais, a
desigualdade de chances marcará o processo. Neste sentido, é difícil
dizer que temos eleições plenamente “democráticas”: os/as eleitores/as
têm liberdade para votar, mas sua capacidade de escolha é muito
limitada, as candidaturas lhes são apresentadas com pesos muito
diferentes. Mais grave que isso: se bem que são os/as
cidadãos-eleitores/as que determinam o resultado das eleições, quem
determina as políticas a serem adotadas pelos/as eleitos/as – com
pouquíssimas exceções - são, em primeiro lugar, financiadores privados
das campanhas. Empreiteiras, empresas de transporte coletivo, indústria
automobilística, e tantos outros contribuem para seus candidatos/as os
quais, se eleitos, são cobrados para ter o retorno do seu
“investimento”.
O julgamento da ação penal 470 (o chamado “mensalão”) talvez não
tenha tido essa influência toda – contrariamente ao desejo da grande
mídia -, mas colocou em evidência a necessidade de mudança nas relações
entre o Executivo e o Legislativo. O fato de o Executivo ter de buscar a
“governabilidade”, ou seja, a maioria dos parlamentares para aprovar os
seus projetos permite a deturpação desta relação. Em primeiro lugar,
porque leva a alianças e acordos que determinam o preenchimento dos
principais cargos públicos: ao invés de se escolher as pessoas mais
competentes para aquela função, várias pastas são preenchidas para
atender às exigências dos “aliados”. E a preocupação em obter o apoio de
novos aliados pode levar a outras distorções graves – qualquer que seja
o governo, qualquer que seja o partido no governo.
As necessidades da população levantam a questão da finalidade dos
recursos públicos. Em todos os lugares há problemas sociais graves ainda
não resolvidos: é para este objetivo que todo/a eleito/a deveria voltar
as políticas públicas, para atender à maioria da população. No entanto,
o que vemos o mais das vezes é a realização de grandes obras, das quais
o exemplo mais óbvio são os megaeventos esportivos (como a Copa do
Mundo). Estas grandes obras são feitas com recursos públicos (não apenas
municipais), com apoio de bancos públicos e, muitas vezes, não servem
para resolver problemas do município, não são utilizadas para enfrentar
os problemas de saúde, de educação, de transporte, de saneamento da
maioria da população. Servem para enriquecer construtoras, empreiteiras e
empresas ligadas ao mundo esportivo.
Isto nos leva à democracia que temos hoje e à necessidade de
construirmos uma democracia participativa, em que os/as cidadãos/as
possam influir nas decisões sobre políticas públicas, nas decisões sobre
orçamento, nas decisões sobre o uso dos recursos públicos. Não basta
os/as cidadãos/as serem consultados se as decisões são tomadas de forma
autônoma pelos governos: isto parece participação, mas não é. Devemos
pressionar para que a participação seja efetiva, não aparente. Os
movimentos sociais, os/as cidadãos/as, mobilizados/as, já mostraram que
são capazes de mudar o rumo dos acontecimentos, de construir outra
política. Estas foram as primeiras eleições em que a “ficha limpa” foi
obrigatória. A Lei da Ficha Limpa foi uma conquista de baixo para cima,
de uma mobilização em âmbito nacional dos cidadãos e cidadãs. Como já
tinha sido a Lei 9840 dez anos antes. Ela afastou muitos possíveis
candidatos/as do processo eleitoral.
Estas eleições nos mostram mais uma vez a necessidade urgente de uma
reforma política - reforma que vem sendo impulsionada por um conjunto de
movimentos sociais e entidades da sociedade civil há vários anos (ver
site http://www.reformapolitica.org.br/).
Uma reforma política que estabeleça o financiamento público exclusivo
das campanhas eleitorais, de modo que as políticas públicas não sejam
mais definidas segundo os interesses de empresas privadas. Que torne
possível o uso de instrumentos de democracia direta, como o plebiscito, o
referendo e a iniciativa popular. Que estabeleça regras para o
funcionamento dos partidos, de tal modo que eles sejam programáticos,
pratiquem a democracia interna e não meras legendas eleitorais dirigidas
por “caciques”. Uma reforma política que viabilize o controle social da
esfera pública, desde a transparência quanto às despesas até o controle
sobre a destinação das verbas públicas e em todas as demais políticas
públicas. Os recursos são das cidadãs e dos cidadãos, as/os eleitas/os
são seus representantes, as políticas são para as/os cidadã(o)s, as/os
quais têm todo o direito e devem controlar o exercício da gestão pública
e o emprego dos recursos.
Esta é a democracia que queremos.
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